quarta-feira, 9 de junho de 2010

38º - Há 20 anos reassentados, e hoje removidos pela prefeitura






Por Eduardo Sá, 09.06.2010





Trecho do Morro dos Tabajaras, no fundo do cemitério São João Batista, em Botafogo, na zonal do sul do Rio, que deslizou depois dos temporais em abril. Foto: Renan Oliveira.

Em 1986 ocorreu um deslizamento no Morro dos Tabajaras e Ana Maria Rodrigues, que mora na comunidade desde 1972, perdeu um filho de 2 anos e 7 meses. Nesse período ela foi reassentada, junto com 10 famílias, na Estradinha, também no Tabajaras, onde existiam poucas casas na comunidade e hoje ocorre a remoção. Tem pessoas que moram no local desde que nasceram, há mais de 40 anos, segundo relatos dos moradores mais velhos, e em 1987 com o reassentamento chegaram ao todo mais 42 famílias.



“O governo do Conde queria remover a gente, e conseguimos provar que não éramos invasores. Em 2007, veio o César Maia, e continuamos aqui. A minha barraca foi derrubada, mais dez casas lá em cima, e agora começou no Eduardo Paes novamente. Porque nós não invadimos, estamos aonde a prefeitura nos colocou na época do Saturnino Braga. A rua, o esgoto, fomos nós quem fizemos. Veio o Favela Bairro com muitas melhorias para a gente, e ficou de voltar para fazer o restante só que mudou o governo e parou”, afirma Ana.



Segundo a moradora, que faz parte de uma comissão contra a remoção das casas, primeiro houve uma reunião e os moradores fizeram um censo. O tempo passou e a prefeitura chegou, com base no censo, já pagando o valor das casas sem avisá-las anteriormente qual a finalidade do levantamento dos dados no território.



“O pessoal está vendendo, com medo, porque diz que se não vender vai derrubar de qualquer jeito: vão pegar as nossas coisas e levar para o depósito, porque estamos em área de risco. Não é todo mundo que está na área de risco, porque o assentamento teve geólogo da Geo-Rio durante semanas estudando o solo. Como é que esse solo veio a ficar ruim assim tão rápido? Tem área de risco sim, o pessoal que invadiu a área ambiental, é só eles removerem os que estão em área de risco e não todas as famílias”, critica a moradora.



Ana é uma das moradoras que foram reassentadas na década de 80 na Estradinha, parte do Morro dos Tabajaras. Foto: Renan Oliveira.

A comissão dos moradores defende que o cemitério São João Batista vai até a cota 21 do terreno, daí pra cima o cemitério teria de fazer um muro de contenção de fora a fora e não foi feito, porque a Santa Casa já tem olho na região há muitos anos para fazer um crematório vertical. Após uma semana em contato, a Santa Casa resolveu não se pronunciar sobre o assunto.



Além da possibilidade do crematório no cemitério São João Batista, moradores comentam que pode ocorrer um projeto do empresário Eike Batista: a construção de uma passagem ligando o shopping Rio Sul ao túnel velho, em Copacabana, num projeto bilionário com grandes edificações além das vias. A prefeitura afirma que vai reflorestar a comunidade.



O terreno acima do cemitério é da prefeitura, onde houve o reassentamento, e no topo existia um cabo de aço que as pessoas cortaram e fizeram casas dentro da mata do reflorestamento, onde hoje é área de risco. A comissão afirma que as barreiras caíram desde o shopping Rio Sul, em Botafogo, e a prefeitura além de não fiscalizar não fez nenhuma contenção e agora quer penalizar somente a parte pobre da região.



Documentos que Ana guarda comprovando o seu reassentamento e os estudos feitos à época. Foto: Renan Oliveira.

Ana Rodrigues, de 58 anos, tem seis casas com os filhos todos em volta. Seus netos estudam na região. A creche, seu trabalho, o dos seus filhos, um deles com um projeto social na quadra da comunidade, também ficam por perto. Ela se arrepende de ter feito sua família votar no prefeito, pois na época falava-se de um documento assinado com a Jandira Feghali, ex-secretária de cultura do Rio, contra as remoções nas favelas, o que ele vem realizando desde os desabamentos da chuva.



“Eu vou fazer o que na baixada, Santa Cruz , Realengo, Triagem? A nossa vida foi toda aqui na zona sul, então ele tem de assentar a gente na comunidade. No Tabajaras mesmo se ele procurar vai achar lugar para construir, ali embaixo tem um terreno enorme. A gente trabalhou uma vida, aí vou vender minha casa por 20, 30 mil e comprar aonde outra? Só na roça, e eu não quero ir para a baixada. Acham que quem tem casa grande é porque pode comprar, não é. Eu fiz a minha casa para mim morar e morrer aqui, e deixar para os meus filhos, não para vender por até 50 mil. Por que com o dinheiro que eles estão dando eu vou comprar uma casa em Botafogo? Em Copacabana? Ele que compre e me dê uma casa para abrigar 6 famílias que eu vou. Não estão nos dando opção”, diz Ana Rodrigues.



Prefeitura e Associação de Moradores estão em desacordo



Presidente da Associação de Moradores no Morro dos Tabajaras, Reinaldo Reis. Foto: Renan Oliveira.

O presidente da Associação de Moradores no Morro dos Tabajaras, Reinaldo Reis, também destaca que o Favela Bairro ficou pela metade na Estradinha e parou por motivo político, deixando várias necessidades por fazer.



“De repente se o Favela Bairro fosse até as limitações da comunidade, hoje não teríamos a expansão que tivemos no decorrer desses anos. Na época a prefeitura fez algumas encostas e nelas praticamente se eliminou o problema. Só que a comunidade, por falta de fiscalização da própria prefeitura nas gestões anteriores, tende a aumentar: isso é normal em qualquer comunidade, ainda mais aonde não tinha o poder público atuando da forma que atua hoje”, destaca Reis.



Reinaldo acha que o prefeito não tem boas intenções para resolver os problemas dos pobres em sua gestão. Para o representante, o laudo do Instituto de Geotécnica do Município do Rio (Geo-Rio) não foi aprofundado, mas ele defende que trata-se de profissionais concursados que não arriscariam as suas carreiras por questões políticas.



“Um laudo totalmente contraditório, feito por satélite, por helicóptero. Não veio ninguém para dizer que do ponto A até o ponto B corre risco porque existe uma grande pedra, ou porque o solo está arenoso. A gente não está aqui para questionar a Geo Rio, até acreditamos que lá tem pessoas concursadas e não vão colocar a caneta deles por causa de um administrador: respeitamos, uma vez que ele feito de uma forma mais apurada. A nossa briga com a prefeitura é de que ela tire realmente aonde existe risco, não de vir hoje e querer destruir toda uma história afirmando que toda essa comunidade corre risco”, critica a liderança a comunidade.



A Geo-Rio afirmou ter ido ao local realizar estudos de campo. Questionada sobre a sua participação no reassentamento há duas décadas atrás, e sobre o seu aval para as demais construções, a empresa afirmou que a encosta foi alterada com o passar dos anos.



“A análise da Geo-Rio indica que, em quase 30 anos, a situação geológica da encosta foi alterada. O histórico de deslizamentos no local faz com que o reassentamento das famílias que residem no local seja a ação mais indicada para garantir a segurança da população”, declara a empresa, que é vinculada à Secretaria de Obras Públicas do Rio.



A empresa de geotecnia diz que realiza o monitoramento de encostas há mais de 40 anos e tem um banco de dados em que são armazenadas informações colhidas em todas as vistorias realizadas pelos técnicos, e o mapeamento das áreas de risco é baseado nessas informações que são atualizadas constantemente.



“Embasada no histórico da comunidade da Estradinha, a Geo-Rio orientou o reassentamento das famílias com o objetivo de evitar novas tragédias. Por causa do último evento chuvoso, a Geo-Rio iniciou 1.200 vistorias, que vão dar um novo panorama das encostas da cidade. A partir dos resultados dessas avaliações, a fundação poderá determinar os locais em que somente obras de contenção serão necessárias para garantir a segurança da população e as áreas em que será preciso reassentar famílias. Devido às últimas chuvas, a comunidade da Estradinha foi incluída na segunda categoria”, declarou a Geo-Rio.



Muitas casas foram demolidas, outras estão parcialmente quebradas, e o entulho não foi retirado pela prefeitura. Foto: Renan Oliveira.

A Secretaria Municipal de Habitação do Rio de Janeiro, por sua vez, afirma que todo o processo de reassentamento está sendo conduzido pela prefeitura com diálogo, através de assembléias e reuniões com os moradores. Até o momento foram pagas cerca de 80 indenizações para as famílias do local, e a secretaria afirma não ter estimativa de quanto será gasto com a remoção das 355 famílias da comunidade.



“O processo de reassentamento da comunidade está ocorrendo porque se trata de uma área com risco iminente para os moradores, de acordo com o laudo técnico elaborado pela Geo-Rio. Às famílias da região são oferecidas as seguintes alternativas: indenização ou reassentamento em empreendimentos do programa ‘Mnha Casa, Minha Vida’, que serão erguidos em terreno na Rua Frei Caneca, onde serão construídas aproximadamente 2.500 unidades habitacionais. Inadequada para ser habitada, a área desocupada será reflorestada pela prefeitura”, afirma a Secretaria de Habitação.



Marcelo Cláudio, morador da comunidade, impetrou uma ação na Defensoria Pública do Rio de Janeiro contra a prefeitura para evitar a demolição da habitação de moradores que não venderam suas casas e não querem sair do local. Uma das principais reclamações do integrante da comissão de resistência às remoções, é de que as casas estão sendo quebradas a marteladas e os entulhos abandonados no local. Segundo Marcelo, tem moradores que estão ficando sem ter para onde ir devido às demolições.



“Está claro que há interesse imobiliário atrelado à prefeitura. Não tem morto, ferido, nenhuma casa caiu. O cadastramento foi feito muito antes das chuvas, que estão servindo de desculpa para as remoções. Essa é uma comunidade regularizada, nós queremos cobrar as obras de manutenção que devem ser feitas”, disse o morador.



Para Reinaldo Reis, presidente da Associação de Moradores, aproximadamente 80% dos moradores quer ficar na favela. Ele critica a falta de opção dada pelas autoridades. Apesar das reuniões com os secretários de habitação, assistência social e conservação, além do subprefeito, não houve acordo e desde então a negociação está sendo realizada sem a intermediação da associação.



“De uma certa forma, eles vêm nos soterrando dia a dia, fazendo as pessoas ficarem doentes, vizinhos brigarem porque acham que o de cima tem a culpa com a sua construção que chegou depois. O que o povo quer é simplesmente um lugar digno para morar, não é digno você construir uma vida naquele local e da noite par ao dia saber que vai ser retirado de onde você trabalha, tem amigos, estuda”, diz Reinaldo.



Assim como outros moradores, a Associação de Moradores, destacando que não se trata de preconceito, defende que a maioria das pessoas que venderam suas casas até o momento são de origem nordestina e não têm vínculo com o local. Trabalhadores que compram um terreno por R$ 2 mil, investem mais um pouco e a prefeitura aparece com a proposta de R$ 20 mil, o que para eles é lucro. São pessoas que estão no local há cerca de 10 anos, usam suas casas praticamente só para dormir, e não se incomodam com a mudança, de acordo com os moradores.



Avaliações alternativas acionadas pelos moradores através da Defensoria e o Ministério Público



Carro que deslizou para dentro do cemitério. Nenhuma casa foi afetada e não houve acidentes no local. Foto: Renan Oliveira.

Maurício Campos, engenheiro civil e mecânico formado pela PUC/RJ, com experiência de mais de 15 anos em obras civis, inclusive obras de contenção de encostas contratadas pela prefeitura, coordena uma equipe técnica voluntária de apoio às comunidades ameaçadas de remoção. Ele fez mais de uma vistoria na Estradinha, acompanhado por uma comissão de moradores. Campos observou que ocorreram dois deslizamentos grandes nas chuvas de abril, e apenas um causou danos com um carro destruído e algumas sepulturas do cemitério soterradas por causa da terra que deslizou da rua acima.



“Estes deslizamentos são distantes o bastante das casas para colocá-las em perigo. Só identifiquei uma área de risco moderado na comunidade, em sua extremidade oeste, onde há casas situadas abaixo de depósitos de grandes blocos de rochas individualizados. Na maior parte da encosta existe um solo residual pouco profundo e as casas são solidamente fundadas na rocha, que é alcançada com pouca escavação. Na parte leste, que se une com a localidade chamada Coroa, há grandes obras de contenção executadas pela prefeitura em perfeito estado”, analisou o engenheiro, membro do corpo de assessores técnicos do Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.



Até o fechamento da matéria, a assessoria do prefeito Eduardo Paes, comunicada da resistência e dos estudos que foram feitos, afirmou que quem pode se pronunciar a respeito são os órgãos responsáveis pela processo de remoção. A assessoria afirmou que “o prefeito deixou bem claro que as pessoas devem sair, infelizmente é chato, mas elas não podem correr risco de vida”.



De acordo com Maurício, historicamente a região não teve graves problemas com o escorregamento de encostas, e os moradores são muito cuidadosos ao construírem suas casas, também executando obras de contenção de menor porte. No dia 24/03 ele esteve presente numa visita da Comcremat, empresa contratada pela prefeitura através da Geo-Rio, que fará a atualização dos mapeamentos de 100 comunidades em cerca de dois meses. Maurício defende que os geólogos e estágiarios são novos, estão fazendo quatro vistorias por dia em comunidades que não voltarão, e pelo curto prazo serão gerados relatórios genéricos sem estudos topográficos, sondagens, ou qualquer outra investigação profunda que possa trazer informações mais detalhadas sobre a situação desses locais.



Uma das obras de contenção realizadas no projeto Favela-Bairro. Foto Renan Oliveira.

No relatório produzido pelo engenheiro, entregue à Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro e ao Ministério Público no dia (07/06), consta que “não há qualquer fundamento técnico ou econômico nesta proposta de remoção”. Segundo Maurício Campos, os custos de remoção e posterior recuperação da área são superiores aos de contenção e drenagem necessários para o local e os riscos de deslizamento na região são de baixos a moderados.



A defensora pública do Núcleo de Terras e Habitação, Adriana Britto, participou no dia 20 de abril de uma reunião entre os moradores e os secretários de habitação, conservação e assistência social. Ela tem prestado auxílio jurídico e intermediado na interlocução com as autoridades, e define como arbitrário o que está sendo promovido pela prefeitura.



“O núcleo de terras tem buscado orientar os moradores acerca de seus direitos, de participarem da discussão sobre o seu destino, pois mesmo que houvesse risco comprovado seria possível haver obras de contenção, por exemplo, o que o ‘laudo’ apresentado não cogita. Seria necessário discutir com a comunidade todas as possibilidades, especialmente pela manutenção no local, e não apenas optar por indenização ou aluguel social, como a prefeitura ofereceu. Também tem sido importante demonstrar os direitos que as famílias possuem: direito à moradia, à regularização fundiária, à segurança da posse, à não remoção, etc”, disse Britto.



Segundo a defensora, o caso da Estadinha, no Morro dos Tabajras, é o mais absurdo dentre as 8 remoções anunciadas pela prefeitura.



“O único deslizamento por conta das chuvas no início de abril não atingiu qualquer casa ou pessoa, assim não há fundamentos técnicos para justificar a remoção. Foi feita uma vistoria por um engenheiro, que confirmou a ausência de qualquer risco às moradias”, criticou Adriana.



O Ministério Público foi procurado pelos moradores, que enviaram fotos, laudos, e vídeos para o Subprocurador Geral de Justiça de Direitos Humanos no Rio. Leonardo Chaves os recebeu em seu gabinete, e em breve fará uma visita à comunidade. De acordo com o subprocurador, a lei orgânica permite que a comunidade tenha o seu perito e essas iniciativas são necessárias.



“A primeira demanda dos moradores é que a Prefeitura teria posto abaixo casas a marretada, e o entulho ficou deixado lá. Nossa primeira meta é de que a prefeitura retire esse material, porque os moradores temem que com a chuva seja perigoso além da sujeira que está acumulando. E como não houve nenhuma morte ou ferido, a prefeitura tem que justificar a remoção. Os moradores narraram a política da Prefeitura, estão assustados, e me parece que o processo de resistência está consolidado pois muitas pessoas vieram me procurar”, afirma Chaves.

3 comentários:

NESTOR BORDINI disse...

em visita verifiquei o fusquinha lá em baixo o único bem móvel que deslizou no Morro São João... mas carro se desloca mesmo... pessoal o grande problema de vocês é a vista... vocês tem o privilegio de esta de frente para o cristo... conforme o companheiro argentino... acredito que a base da comunidade não sairá o pessoal das 42 casas projetadas do assentamento de 1987... tenho fé... TABAJARA É MEU LUGAR

Anônimo disse...

Isso ai mesmo, Os covardes sairao a troca da esmola que a Prefeitura da.
Tem moradores felizes que comprararam uma casa no MEIER...NO MEIER. OLha, nada contra o suburbio. Mas vc sair de frente para o cristo para olhar o cristo pequeno e de costas...pqp
TABAJARAS, LABORIOU,PRAZERES,VILA DAS TORRES, FOGUETEIRO É MEU LUGAR

IRMÃ FÁTIMA disse...

É verdade amigos, eu acredito e tenho fé em DEUS que vamos vencer. E só os guerreiros vencedores ficarão neste lugar. valeu Nestor pela força!!
faço minhas as palavras do argentino....
TABAJARAS, LABORIOU,PRAZERES,VILA DAS TORRES, FOGUETEIRO É MEU LUGAR